A alteridade é fundamental para o desenvolvimento humano. Se privado de estímulos variados, o cérebro não se desenvolve, perde a plasticidade e se deteriora como um músculo atrofiado. Tal argumento é amplamente aceito quando se trata de relações sociais, atividades cognitivas ou físicas. E quanto aos estímulos promovidos pelo ambiente construído?
Houve um tempo em que a busca do espaço ideal, totalmente controlado para oferecer condições perfeitas de segurança, conforto e ergonomia para seus usuários, promoveu uma crescente dissociação entre ambientes interno e externo. Hoje em dia, tem-se cada vez mais clara a importância do contato com a natureza, com espaços livres e com suas variações inerentes de luz, sons, temperatura, umidade, odores, texturas, cores, elementos e vidas.
A importância da variedade de estímulos tem sido discutida não apenas em relação a espaços internos ou privativos, mas também quando se trata de espaços livres públicos. Ruas, calçadas, travessias, canteiros e praças, são frequentemente dotados de tal monotonia que se torna difícil até mesmo diferenciá-los entre si. Ao replicar soluções-padrão de via, equipamentos e mobiliários ao longo da cidade, sob o argumento de eficiência, são desperdiçadas oportunidades tanto de se incluir estímulos variados no dia-a-dia da vida urbana, quanto de se promover a diferença como algo corriqueiro, curioso, rico e promissor.
Como tornar a cidade mais estimulante e divertida?
Esta pergunta nos levou a propor a associação entre movimentos corriqueiros que fazemos ao percorrer ou ao habitar a cidade e movimentos propiciados por equipamentos de lazer infantil. Se, em geral, ambos tem sido viabilizados por soluções-padrão replicadas indiferenciadamente pela cidade, quando associados representam uma possibilidade interpretativa do brincar e do vivenciar a cidade.
Partimos de quatro movimentos básicos presentes em equipamentos-padrão de parquinhos – girar (roda-roda), atravessar (túnel), deslizar (escorregador) e escalar (trepa-trepa) – e construímos uma matriz interativa de 12x12, contendo propostas formais híbridas que oferecessem uma maior diversidade de possibilidades de movimentos. A maior variabilidade de formas permitiria uma apropriação mais específica de espaços urbanos, em uma atitude de afirmação e valorização da diversidade de lugares.
A segunda etapa de trabalho envolveu a aplicação dessas formas a contextos específicos. Num exercício exploratório, foram identificados e recortados espaços livres emblemáticos da cidade de Curitiba. Sua distorção em escala e posterior encaixe em um tangram topográfico conformou um tabuleiro dividido também na organização 12x12. As formas abstratas contidas na matriz foram utilizadas para o desenvolvimento de projetos específicos a cada uma das peças-base.
O resultado se materializou em forma de um jogo de peças. A matriz abstrata foi impressa sobre uma base plana. Sobre ela, encontram-se as 144 maquetes de projetos específicos que, individualmente, associam uma forma, e seu movimento associado, a um contexto topográfico. O quebra-cabeça se encaixa ao se relacionar cada elemento da matriz a cada um dos projetos.
O conjunto está contido em uma estrutura feita de refugos de madeira doados pela Tecverde, e iluminado por uma cinta suspensa construída de madeira balsa e papel vegetal, que apresenta o memorial da proposta. A instalação foi apresentada ao público durante a Mostra Arquitetura para Curitiba do ano de 2019, e contou com a colaboração do técnico da UFPR Marcelo Perussi e de estudantes de diversas escolas da cidade: Beatriz Dutra, Bernardo Parmigiani, Bianca de Freitas, Gabriela Ribeiro, Gabrielle Stocco, Heinrich Froese, Vitor Ferreira, Matheus Costa, Ana Paula Pavelski e Matheus Schneider.